O semiárido nordestino é definido, na maioria das vezes, como uma região seca e “castigada pelo sol”. Mas por que não pensar diferente? Um professor cearense mostrou que o sol, na verdade, pode ser uma fonte de energia capaz de substituir o gás de cozinha e a lenha.
Lúcio Galvão, químico da Universidade Estadual do Ceará (Uece), criou um forno solar barato, feito materiais recicladosque, em vez do destino ser os lixões, podem ser reutilizados de forma racional e produtiva. “Com o forno solar alternativo, o cozimento usa a luz do sol como fonte de energia”, explica o professor.
A temperatura do ambiente não influencia diretamente no funcionamento. O que interessa é a luz do sol, já que o forno atua como isolante térmico, bloqueando a entrada ou saída do calor do recipiente. Segundo Galvão,“cozinha em qualquer lugar, até em apartamento”.
O primeiro forno de energia solar a custo quase zero foi construído pelo professor em parceria com o naturalista José Albano. A ideia era fazer algo mais simples e fácil, com papelão, cabos de vassoura e plástico. Foram três anos de experiência, levando em consideração o cozimento e a hidratação dos alimentos. “Depois disso, parti sozinho pelo sertão adentro para ensinar aos moradores das comunidades como construírem os seus próprios fornos”. A empreitada iniciou em 2004.
Onde tudo começa
As primeiras oficinas para a construção do forno alternativo foram realizadas na Região dos Inhamuns. Mas as práticas já foram levadas a outros municípios cearenses como Umirim e Quixadá. “O experimento foi parar até no Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte e Foz do Iguaçu”, comemora o professor.
No local da preparação, são colocados dois fornos solares para mostrar o funcionamento do utensílio em tempo real. Inicialmente, é feita uma formação teórica, explicando conceito, funcionamento, vantagens e desvantagens do uso do forno solar. “Enquanto explico, os alimentos vão cozinhando. Quando acaba o primeiro dia de oficina, a gente come o que estava sendo preparado no forno. Só depois disso, as pessoas acreditam que ele funciona mesmo”.
O segundo dia é destinado à prática, quando cada morador da comunidade aprende a confeccionar o próprio forno. Cerca de 20 pessoas participam das oficinas para, em seguida, multiplicarem o conhecimento.
Mulheres nas oficinas de conscientização sobre o forno solar (FOTO: Divulgação)
Higiene
Alguns obstáculos culturais, no entanto, dificultam a aceitação dos moradores devido ao receio quanto à higiene do equipamento. De acordo com ele, a temperatura do forno é suficientemente alta para impedir a proliferação de microrganismos, o que garante a esterilização dos alimentos. “O cozimento por condução lenta de calor e em sistema fechado impede que fatores externos entrem em contato com a comida”, assegura.
Como é feito
O forno solar é uma caixa de papelão forrada de papel-alumínio, contendo uma chapa de metal pintada de preto, apoiada sobre pequenos calços de madeira. Sobre essa chapa são colocadas as panelas, também pintadas de preto, e com tampas de encaixe para reduzir a saída de vapor.
“Qualquer pessoa que tenho um mínimo de habilidade com ferramentas básicas, como martelo, serrote e tesoura, poderá montar seu próprio forno”, destaca o professor.
Vantagens
Panelas pretas são mais adequadas para aquecimento mais rápido (FOTO: Divulgação)
As vantagens do forno alternativo são muitas. O utensílio é uma forma de economizar na queima de combustível fóssil (gás butano), diminuir a derrubada de árvores para a formação de carvão vegetal, além de promover mais saúde. A comida cozinha lentamente e a temperaturas mais baixas, preservando os nutrientes.
O tempo médio é alto, levando cerca de quatro horas para cozinhar os alimentos. “Não tratamos isso como desvantagem, porque a pessoa acaba tendo tempo mais livre para fazer outras coisas. A comida não precisa ser mexida ou vigiada durante o cozimento, pois não queima”.
Tudo do próprio bolso
O equipamento já faz sucesso há cerca de 10 anos no interior do Ceará. Investimento externo não existe, apesar das tentativas com órgãos de pesquisas estadual e federal. “Tudo sai do bolso do próprio professor”, lamenta Galvão. “A gente não ganha dinheiro com isso. Mas o meu real objetivo é mostrar às comunidades mais distantes que é possível ter uma convivência melhor com o semiárido”, acrescenta.
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