Nos últimos dias a questão da execução de Sakineh Mohammadi Ashtiani tem tomado um grande destaque na imprensa internacional. Para aqueles que não estão a par do fato irei resumi-lo brevemente. A iraniana Sakineh foi condenada a morte por apedrejamento pelo crime de Adultério. Muitos países se manifestaram a favor de comutar a pena ou mesmo extraditá-la, nesta última opção o Brasil ofereceu asilo. O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad , informou que ela não será enviada ao Brasil e segundo um porta-voz, o presidente brasileiro (assim como os demais presidentes dos outros países) não possuíam informações o bastante sobre o caso.
Toda informação fornecida para a imprensa internacional foi um vídeo exibido na TV iraniana onde supostamente a mulher teria confirmado o adultério, entretanto tanto o rosto quando a voz dela estavam mascarados, o rosto pixelizado e a voz alterada. A primeira pergunta que eu tenho é: Por que mascarar a voz e o rosto de uma pessoa que admite publicamente ter cometido o crime, ela já está em evidencia, o que resta para esconder? Outro detalhe interessante é que segundo o advogado, ele não conseguiu conversar diretamente com a acusada.
De acordo com a legislação do Irã, crimes de homicídio, adultério, estupro, assalto, apostasia e narcotráfico estão sujeitos à morte. Bom, embora eu esteja com muita vontade de criticar a questão da apostasia deixarei para fazê-lo em um post mais adequado, irei me ater aos fatos.
Se considerarmos em termos práticos, sim é errado apedrejar pessoas até a morte, entretanto quando vivemos em um país estamos sujeitos a legislação do mesmo e caso essa mulher realmente tenha cometido o, segundo a legislação iraniana, terrível crime de adultério ela deveria SIM ser levada a morte por apedrejamento, entretanto este texto não termina aqui.
O Irã, como MUITOS outros países, faz parte da famosa ONU, Organização das Nações Unidas, sendo inclusive um de seus criadores, fazendo parte (assim como o Brasil) desde o seu princípio. E a ONU tem alguns regulamentos, dentre eles a Declaração dos Direitos Humanos, os Direitos Civis e Políticos e o que eu mais me deleito neste caso Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Crueis, Desumanos ou Degradantes (que a meu ver torna a participação do Irã, EUA, China, Coréia do Norte entre outros um PARADOXO).
Sendo assim vamos analisar a pena de apedrejamento de acordo com a legislação utilizada pela ONU:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Artigo I
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
Artigo III
Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo V
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Claro o bastante não? Agora vejamos a seqüencia.
Artigo XIV
1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas
Sendo assim, a princípio, essa mulher tem o direito de procurar asilo em outro país, entretanto consideraremos que a questão dela trata-se de uma pena devidamente motivada por um crime de direito comum. No presente momento tentarei deixar um pouco mais complicado para essa mulher livrar-se do apedrejamento.
DIREITOS CIVIS E POLITICOS
PARTE I
ARTIGO 1º
1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Bom, inegavelmente que a questão do apedrejamento é algo cultural, um comportamento bárbaro e primitivo que faz parte de alguma tradição estúpida de 2000 anos atrás ou mais, sendo assim darei a liberdade para que os Iranianos atirem pedras.
PARTE II
ARTIGO 2º
3. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a:
a) garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente pacto tenham sido violados, possa dispor de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetrada por pessoa que agiam no exercício de funções oficiais;
b) garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão; e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial;
Ok, ok, já entendi ela foi julgada por uma autoridade competente, sendo assim pedrada nela!
ARTIGO 4º
2. A disposição precedente não autoriza qualquer suspensão dos artigos 6°, 7°, 8° (§§1° e 2°), 11, 15, 16 e 18.
Certo, então quer dizer que tudo que foi apresentado até agora pode perder validade de acordo com um outro artigo… Bom veremos a seguir o que diz esses artigos.
ARTIGO 6º
1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.
2. nos Países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente pacto, nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.
3. Quando a privação da vida constituir um crime de genocídio, entende-se que nenhuma disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado Parte do presente pacto a eximir-se, de modo algum, do cumprimento de quaisquer das obrigações que tenham assumido em virtude das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio.
4. Qualquer condenado à morte terá o direito de pedir indulto ou comutação da pena. A anistia, o indulto ou a comutação de pena poderão ser concedidos em todos os casos.
Quanto grave é uma traição? Equipara-se a um Genocídio? Pode ser considerado um crime grave? Eu particularmente acho traição, em todos os sentidos e não apenas infidelidade conjugal algo abominável entretanto seria isso digno de morte por APEDREJAMENTO? É isso que o ser humano tem se tornado? Uma criatura com a mentalidade tão pequena a ponto de apedrejar alguém por que essa pessoa não estava sexualmente satisfeita em casa? E outra pergunta, o divórcio é permitido? (eu realmente não sei)
CONVENÇÃO CONTRA TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES
DECRETA:
Art. 1° A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, apenas por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Art. 2° Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.
PARTE
ARTIGO 1º
1. Para os fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.
ARTIGO 2°
1. Cada Estado Parte tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição.
2. Em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais tais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência como justificação para tortura.
3. A ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública não poderá ser invocada como justificação para a tortura.
Sendo assim como parte integrante e FUNDADORA da ONU o Irã teria obrigação de impedir essa morte por apedrejamento segundo a normatização estabelecida. Se ela REALMENTE é culpada e no país em questão o adultério é punido com morte esta deveria ser a pena dela, afinal conforme apresentado acima nos estamos sujeitos às leis de onde vivemos, queiramos ou não. Se estamos insatisfeitos mudemo-nos! O que eu quero apresentar aqui não é a inocência ou a morte ou não da Iraniana, mas o apedrejamento, um costume, bárbaro e primitivo que não se justifica. O que acontecerá a seguir? Qual o limite para nossa crueldade? Para comemorar começaremos a atear fogo e dançar nus ao redor das chamas homenageando algum GRANDE e PODEROSO Deus? Esta pena não pode ser comutada para uma pena não tão animalesca? Ela merece a morte? Ok matem-na então, mas existem formas menos bestiais de fazê-lo. Costumes são costumes, tradições são tradições, mas quando esses fatores sobrepõe-se à civilidade e acima de tudo à humanidade, precisamos rever nossos conceitos.
Estamos no século XXI e continuamos a repetir costumes pré-históricos? É isso que temos como evolução? Inegavelmente Darwin estava correto ao citar:
“O homem ainda traz em sua estrutura física a marca indelével de sua origem primitiva.”
Charles Darwin – The Descent of Man
Mas o deparar-me com esse tipo de notícia, preciso acrescentar:
“O homem ainda traz em sua estrutura física e mental a marca indelével de sua origem primitiva.”
Ressalto aqui que sou leigo em direito, não estudo nem possuo formação na área, mas a meu ver, de acordo com as informações citadas parece bem óbvio meu ponto, não parece?